Entrevista com Leno - O Romântico da Jovem Guarda
"Muita gente pensa que foi o "Maluco Beleza" que fez a cabeça do "romântico careta da Jovem Guarda", mas, na prática foi o contrário. As aparências enganam e muito!"

    Entre os seus trabalhos considerados de vanguarda, o cantor e compositor Gileno Osório Wandereley de Azevedo, ou simplesmente,como ficou mais conhecido no país: Leno, emplacou sucessos como "Pobre Menina", "Devolva-me" e "Eu Não Sabia Que Você Existia" ( citando apenas três ) quando fez parte da dupla Leno e Lilian ao lado de renomados músicos, que comandavam o movimento conhecido como Jovem Guarda, tais como Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wanderlea, Ronnie Von, Martinha, Jerry Adriani, Os Incríveis, Renato e Seus Blue Caps, Golden Boys, Os Vips, entre tantos outros grandes compositores e artistas, que literalmente revolucionaram a Música Popular Brasileira e foram os precursores do chamado Rock Nacional.

     Além disso, ele gravou o álbum Vida e Obra de Johnny McCartney ao lado de um cantor que até então era desconhecido, cujo nome era Raul Seixas, que foi proibido pelo Governo Militar do Brasil e só veio a ser disponibilizado nos anos 90. Agora em 2016, Leno está completando 50 anos de carreira e para comemorar lançou o clipe da canção "Poeira Interestelar".

    Aproveitando a oportunidade, os repórteres do Rock On Stage Marcos César de Almeida e Fernando R. R. Júnior conversaram com exclusividade com o cantor, que falou sobre os tempos da Jovem Guarda e sua importância para o Rock Nacional, sobre suas músicas de sucesso, do álbum Vida e Obra de Johnny McCartney e claro, da nova composição entre vários outros temas. Confira nas linhas abaixo:

Rock On Stage: Leno, seja bem vindo ao site Rock On Stage. Gostaria de começar te pedindo para definir a Jovem Guarda, o que foi o movimento da Jovem Guarda quanto à revolução musical no Brasil?
Leno:
Bem, no princípio era o verbo! ( risos ). O Rock em linguagem brasileira ainda sem o nome Jovem Guarda, que só ficou marcado como um estilo musical por causa do nome do programa de TV. Foi o 'link' com a modernidade da 'Beatlemania', reflexo dos 50's. Rompemos vários tabus culturais e comportamentais de um Brasil conservador.

    E não éramos os queridinhos do regime militar. Havia na Jovem Guarda uma sensação de auto-estima e bom humor, coisa que incomodava, principalmente a pseudo-inteligentista marxista tupiniquim. A mesma que na época fez passeata contra a injustiça social? Não! Contra o engajamento da esquerda com ditaduras sanguinárias? Não, mas sim contra a guitarra elétrica. Isto é contra nós da Jovem Guarda. Enfim, éramos uma unanimidade para a esquerda e direita. O que tomo como um elogio "Só" quem gostava da gente eram 90% dos brasileiros de todas as classes sociais.

Rock On Stage: Você fez parte da dupla Leno e Lílian e sempre vi como o começo do Rock no Brasil, e as duplas hoje em dia ficaram confinadas apenas às duplas sertanejas. Na sua opinião por que se formam bandas e não duplas mais para fazer Rock no Brasil?
Leno:
Provavelmente porque a linguagem do Rock depende de uma boa química instrumental de guitarra, baixo, batera e piano. E com dois bons vocalistas ( ou mais ) na banda, dá para fazer tudo que uma dupla faria e com mais independência. Ainda bem, pois, já estamos bem servidos por umas 9.537 duplas.

Rock On Stage: Sobre suas músicas, quais você acha que são as mais marcantes? E por quais motivos? Nas letras de suas canções, o que era descrito: inspirações baseadas em fatos reais ou sobre sentimentos?
Leno:
Das músicas que gravei, em dupla e solo, certamente as mais marcantes foram "Devolva-me", "Eu Não Sabia Que Você Existia", "A Pobreza", "Coisinha Estúpida", "Flores Mortas" e "Pobre Menina" ( versão de "Hang On Sloopy", que tive a surpresa de ver os Rolling Stones dando uma canja em show ano passado, apesar de nunca terem gravado ).

    Marcantes pelo estrondoso sucesso espontâneo e pela imagem que ficou rotulada de um "casal romântico" da Jovem Guarda. Mas, na verdade nós namorávamos com outras pessoas, não um com o outro. Amizade de infância, algumas composições eram baseadas em fatos reais, outras eram ficcionais como "A Pobreza", do Renato Barros, que gravei solo e vendeu um milhão de singles. Para mim era um lamento Blues... Regravei ao vivo com essa nova pegada.

Rock On Stage: Como você vê a música feita no Brasil hoje em comparação com o passado? E qual a maior dificuldade sua, já que as gravadoras não dão todo aquele apoio que davam na época da Jovem Guarda.
Leno:
As grandes gravadoras praticamente viraram distribuidoras e encolheram a Internet. Ruim com elas, pior sem elas. Pelo menos havia uma triagem e a gente tinha a quem cobrar o que nos deviam. Já se fez no Brasil uma das melhores músicas do mundo. Quando morei na Califórnia na virada dos 70's para 80's e os músicos de lá descobriam que eu era brasileiro, vinham logo puxar conversa. Me lembro de ter conhecido o James Taylor num estúdio me dizendo "I Love Brazilian Music!!!". Atualmente duvido, os novos estão sem espaço, a não ser em disputas na TV - já vi até um programa com uma disputa musical num ringue ( nada mais anti-musical ).

    Então de um modo geral acho que se a inteligência de um povo pode ser medida atualmente pelo seu hegemônico gosto musical ( Veja bem, sempre existiu música com pouca qualidade, mas não com tanta demanda nessa proporção por parte do grande público ). O povão já curtiu Luis Gonzaga, as letras de um Renato Russo e Raul Seixas. Não gosto de dizer isso para não me sentir como os que criticavam a Jovem Guarda por ser popular. Mas, o popular daquela época com melhor educação pública nas escolas, era melhor que o popular de hoje onde os alunos batem em professores. Só a tecnologia de palco é superior aos nossos palcos sem P.A. ou retorno. Imagina se tivéssemos!!!

Rock On Stage: Você teve uma certa parceria com Raul Seixas, que resultou no censurado álbum "Vida e Obra de Johnny McCartney", quais curiosidades você pode nos contar sobre este disco e esta parceria? E tem como quantificar a importância que este álbum produziria ao Rock Nacional caso tivesse sido lançado na época de sua composição?
Leno:
Fui o primeiro parceiro de Raulzito quando ele era ainda um desconhecido. Ele tocou na minha banda entre 1970 e 1972, depois que Os Panteras se separaram. Mais do que isso, já éramos grandes amigos há cinco anos antes dele estourar com Ouro de Tolo em 1973. O Jerry Adriani era outro grande amigo dele e meu. Mas, ao contrário do que já li por aí... foi a minha concepção e produção do álbum Vida e Obra de Johnny McCartney - e o laboratório no estúdio que abri para ele em minhas sessões da CBS - que estimularam o Raulzito a partir para novos rumos musicais e carreira solo. O que aliás, ele soube fazer magistralmente!!!

    Me lembro dele com Renato Barros ao meu lado nas sessões para os backing-vocals de nossa parceria em "Sentado no Arco-Íris", comentando: "Essa é a primeira letra em que disse o que queria e me orgulho de ter feito". Eu já tinha o tema e começado a primeira estrofe e refrão ( a linha melódica eu fiz ). Muita gente pensa que foi o "Maluco Beleza" que fez a cabeça do "romântico careta da Jovem Guarda", mas, na prática foi o contrário. As aparências enganam e muito! Deve ser sido um dos motivos do Raulzito ter deixado um manuscrito me citando como um dos seus mestres ( no Baú do Raul Revisitado ). Sempre fui discreto nesse assunto, pois, não nasci pra ser papagaio de pirata. E talvez por isso recebo tanto carinho dos fiéis fãs dele.

    Porém, o álbum Vida e Obra de Johnny McCartney foi quase todo censurado em tempos de ditadura, sem que saísse uma única linha de defesa na mídia musical. Só o Henfil deu força no Jornal dos Sports. Foi um álbum concebido para ser um divisor de águas, antecipou o que se faria posteriormente no Rock Nacional e se tivesse sido lançado em 1971 de forma completa... acredito que teria tido grande impacto. Ou não! Sei lá... Só saiu em 1994 quando o pesquisador Marcelo Fróes o encontrou quase mofando em meio à centenas de tapes no arquivo da gravadora. Então, o finalizei ( faltava apenas meu vocal em duas faixas... ), mixei e remasterizei. O som estava acima da média da época, pois, foi o primeiro disco em 8 canais no Brasil. Continua único, virou 'cult' e é considerado um dos melhores de todos os tempos do Rock Nacional. Antes tarde do que never. Deve ser um dos motivos que vi um manuscritos do Raul.

Rock On Stage: Leno, você está lançando a canção "Poeira Interestelar", que tem um ritmo Rock’n’ Roll bem gostoso, além de um clipe simples e divertido. O que pode nos contar deste lançamento? Como tem sido a repercussão desta canção na mídia e com os fãs?
Leno:
 Pois é, eu estava sentindo falta de ouvir Rock Nacional, então eu mesmo fiz. É o maior sucesso no meu cd-player...( risos ). Gostei tanto do resultado que fiz um clipe com a música. Fiz da melhor maneira no que dependia de mim. O que vem depois é com o distinto público. Só sei que quem ouviu gostou muito e fico feliz com isso... E como nunca fui muito bom em autopromoção, estou nas boas mãos da Marcia Stival Assessoria para isso.

Rock On Stage: "Poeira Interestelar" é o indício de um novo álbum de estúdio? Caso positivo, que caminho pretende seguir com ele?
Leno:
Pretendo fazer um novo álbum de inéditas nesse caminho do Pop Rock que amo. Seja lá qual for o modismo que estiver rolando no mercado.

 

Rock On Stage: Na época da Jovem Guarda, a forma de alcançar os fãs era através dos programas de rádio e também dos programas de auditório de alguns canais de TV. Hoje temos as diversas plataformas digitais, as redes sociais, além das formas tradicionais de divulgação dos lançamentos. Na sua opinião, ficou melhor para os artistas ou pior, pois, temos em contrapartida a pirataria?
Leno:
Sendo realista e sem saudosismo, acho que ficou tudo pulverizado em nível de divulgação musical. Tem artistas fazendo sucesso em um determinado nicho e sendo desconhecidos da maioria. Por outro lado, a tecnologia da indústria da informática ganha bilhões disponibilizando o que não lhes pertence. Na prática piorou o pagamento de direitos autorais e concentrou renda numa minoria. O livro Culture Crash do músico americano Scott Timberg explica isso em detalhes. Devia ser traduzido no Brasil.

    Gosto mesmo dos formatos físicos, com seus encartes, letras, fichas técnicas e capas belíssimas. Foi como se criaram as grandes obras musicais do Século 20. Não é a toa que os vinis estão em alta e a música atual em baixa mundo afora. Não só no Brasil, estamos em tempos de se fazer várias coisas ao mesmo tempo nas telinhas e nem sei se as pessoas teriam concentração e paciência para apreciar um Sgt Peppers hoje ( N.E:. um dos clássicos 'mor' do Rock e dos Beatles, mas você sabe disso né caro leitor(a)). Talvez nem com meu clipe com o Universo como tema. Esqueci de botar umas mulheres peladas com silicone em Júpiter... ( risos ).

Rock On Stage: 50 anos de carreira, olhando para trás você modificaria alguma coisa se pudesse e quais são os planos para o futuro?
Leno:
Assumo tudo que fiz, mas, olhando para trás, se pudesse regravaria meus dois primeiros Lp's solo, principalmente pelo tons desconfortáveis para cantar. Não puderam ser resolvidos no prazo da gravadora à tempo de lançamento para vendas de Natal. Então, fiz Vida e obra de Johnny McCartney no ano seguinte para compensar, mas, não impediu os dois primeiros de ganhar disco de ouro.

Rock On Stage: Vivemos uma certa "mesmice cultural" muito grande no Brasil atualmente, você acredita que poderemos presenciar um movimento tão marcante quanto a Jovem Guarda por aqui?
Leno:
Você sintetizou bem com "mesmice cultural", fruto da mesmice ideológica de uma esquerda no poder e sua lavagem cerebral entre jovens estudantes por 14 anos. Então, espero que ainda surja algo tão marcante como a Jovem Guarda, mas, ainda não percebo aquele idealismo no horizonte imediato.

Rock On Stage: Quero te agradecer pela entrevista e te pedir para mandar uma mensagem aos leitores(as) do Rock On Stage.
Leno:
Eu que agradeço a vocês por suas perguntas e aos seus leitores, por manterem acessa a chama e provarem que milhões de fãs de música boa estão aí mesmo. Longa vida Rock'n'roll!!!

 

Por  Marcos César de Almeida e Fernando R. R. Júnior
Agradecimentos à Luana Dourado e
a equipe da Márcia Stival Assessoria
Julho/2016

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