Uganga - Servus
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Faixas - Independente - 2019

    Com duas décadas e meia de dedicação ao Heavy Metal Brasileiro expressas em quatro álbuns de estúdio, um ao vivo e um DVD, os mineiros de Uberlândia Manu Joker ( vocais ), Christian Franco, Thiago Soraggi e Maurício "Murcego" Pergentino ( guitarras ), Raphael "Ras" Franco baixo e vocal ) e Marco Henriques ( bateria e vocal ) são uma das mais longevas e importantes bandas do país. Para celebrar esta conquista, o Uganga lançou no final de março de 2019, o seu quinto disco nomeado como Servus.

    Nesta longa trajetória, eles já se apresentaram por todo o país em importantes festivais e fizeram também duas tours europeias com 28 shows em 13 países ao todo. Isso foi possibilitado ao engajamento da banda, da produtora Som do Darma e pelos incentivos à cultura alcançados pelo Uganga, tais como a Wacken Foundation ( organização alemã sem fins lucrativos idealizada em 2008 pelos produtores do Wacken Open Air, que possui entre seus curadores a Rainha do Metal Doro Pesch e o consagrado vocalista Alice Cooper, sendo que a Wacken Foundation apoia projetos de Hard Rock e Heavy Metal em todos os lados do mundo ) e o Programa Municipal de Incentivo à Cultura ( PMIC ) de Uberlândia/MG.

    As gravações, mixagem e masterização de Servus foram realizadas no Estúdio Rock Lab em Goiânia/GO ( mesmo local onde registraram o disco Opressor em 2014 ) com Gustavo Vazquez e o vocalista Manu Joker entre outubro de 2017 a janeiro de 2019, exceto pelas músicas Dawn e E.L.A., que foram gravadas por Lucas Roza no Mundo da Lua Estúdio em Araguari/MG.

    Sobre o álbum Manu Joker comenta: "Se com os dois álbuns anteriores definimos a nossa sonoridade, Servus é um olhar adiante, para o futuro. Mas também consigo ver elementos de todos os nossos outros discos nas novas músicas. Em Servus a banda se arriscou por caminhos onde ainda não foi. Não se trata de estudar o mercado ou seguir tendência. Música é algo muito sagrado para perder tempo com isso. Há mais de duas décadas fazemos peso e groove pois amamos esses dois mundos. Navegar por caminhos aparentemente distintos como o som extremo ou algo diametralmente oposto, nunca nos assustou".

    A capa de Servus - que está embalado em digipack e conta com um ótimo encarte - retrata a espiritualidade, pois, o feiticeiro ( Uganga significa feitiçaria em Swahilli ) está com a pintura de guerra Kayapó, usa colares budistas e umbandistas e a luz de sua testa é referência à Raja do Hinduísmo, ou seja, vários símbolos, energias e sentimentos unidos. Ela foi desenvolvida por Wendell Araújo, que já desenhou capas para o Ratos de Porão e o Coléra.

    Aliás, Manu Joker explica melhor sobre este conceito: "A arte da capa e contracapa tem a ver com o momento atual pelo qual passa a humanidade. Digo, a inspiração do álbum vem disso, já que Servus já era um conceito que vinha sendo trabalhado desde quando começamos a pré-produção, quatro anos atrás. Mas a arte em si mostra o Brasil num futuro que não sei, nem posso determinar, quando será. Tem a ver com o conceito do ciclo da vida no hinduísmo, as idades do ouro, prata, bronze e ferro. O momento atual que vivemos seria a idade do ferro, o fundo do poço antes da renovação, do renascimento. A arte mostra o mundo no futuro, na idade do ouro, em tempos pós-caos. Uma época de luz, paz e sabedoria. Seria utopia? Não acredito, mas também não sou senhor de verdade. Acho que estamos na lama há séculos, mudam somente os rostos. Não será a política que vai nos salvar, seremos nós mesmos! Servus trata disso, do fundo do poço, da luta pela sobrevivência e de tempos de redenção".

    A instrumental Anno Domini abre Servus no violão tocado por Maurício "Murcego" Pergentino através de percussões que trazem uma atmosfera árabe e um pouco depois já estamos na canção título Servus, onde o Heavy Metal violento do sexteto eclode em uma letra crítica diretamente a nós, sendo que eles tem a intenção de abrir os olhos do ouvintes com claras passagens por Thrash Metal em vocais agressivos. Além do peso percebido nos toques dos guitarristas Maurício "Murcego" Pergentino e Christian Franco, destaco também os ferventes toques do baixista Ras Franco.

    E prosseguindo com seu estilo raivoso, Medo é também embasada no ritmo feito pelo baixista Ras Franco e denota também a atuação marcante do baterista Marios Henriques, que não para de socar seu kit com muita competência entre os vocais coléricos e os solos fortificados nas guitarras despertando a vontade de bangear. Em trechos da letra de Medo, você pensa: "onde foi que já ouvi isso antes?" e a lembrança que vem à mente é a do livro 1984 de George Orwell, cujos ensinamentos nunca foram tão atuais. Aos dedilhados no violão mais calmos, temos a robusta O Abismo, que mantém a empolgação do som do Uganga em alta, seja no seu andamento instrumental em que os riffs de guitarras, baixo e bateria contracenam entre si brilhantemente nos envolvendo cada vez mais ou nos vocais irados com um tom forte de ironia, onde Manu Joker divide as atenções com Casito Luz do Witchhammer. Atenção para a alteração no final de ritmo e o inesperado solo de saxofone feito por Marco Melo deixando a música mais insana.

    Muito tranquila, a curta Dawn já é a quinta de Servus, um momento para respirar e refletirmos nos dedilhados de Thiago Soraggi no violão, isso, antes de chegar a vez da amargurada e poderosa Hienas, canção onde as guitarras ganham o destaque entre os vocais cheios de fúria, mas, o Uganga vai além e traz a banda de Rap chilena Dr. Lexico para cantarem em espanhol um bom trecho de sua letra exalando o lado experimental dos mineiros. Sem parar e já estamos na sétima de Servus, sendo que o Uganga continua sua artilharia firme com a veloz Dedos ( Seu Fim ) que vai te capturar logo na primeira audição pela grande variação a que somos expostos, porém, o Heavy/Thrash Metal tem como seu principal elemento a divisão dos vocais de Manu Joker e Renato BT da banda John No Arms e os ferventes solos de guitarras entremeados com as partes ferozmente cadenciadas. A porrada Couro Cru consegue ser mais intensa que a anterior destacando o baixista Ras Franco com toques a la Lemmy do Motörhead e também o ritmo praticamente incendiário de Thiago Soragi e Christian Franco nas guitarras liberando assim, o ódio expresso nos vocais de Manu Joker em uma letra que merece atenção, vale reassaltar também a presença do DJ Eremita fazendo os efeitos conhecidos como scratches.

     Depois para a nona de Servus, a Imerso, o Uganga preparou uma evolução bem cativante na parte instrumental para que os vocais de Manu Joker entre exalando muita ira a cada verso pronunciado por ele, que culminam em uma aceleração ótima e nos solos mais incansáveis do álbum até que seu andamento retorne com a potência necessária para este encorpado Heavy Metal, cujas partes faladas flertam claramente com o Doom Metal e apresentam sonoridades sinistras.

    Mantendo o pé lá embaixo, o Uganga mostra a sua versão para o Lobotomia, faixa que empresta seu nome à banda paulistana com um estilo puramente Thrash com Punk e convidativo para ir direto para a roda. Depois com a agressiva Fim de Festa, o sexteto dispara seu Heavy Rock em uma canção que me lembrou - seja em seus vocais ou em seu andamento obscuro - dos paulistas do Baranga, exceção feita ao trecho melodioso que recebe algumas partes faladas até que pouco depois seja retomada a linhagem que ouvimos antes metralhando com tudo. Com efeitos de beach box e dedilhados no violão tocados por Luiz Salgado, temos E.L.A., a mais diferente criação de Servus com Flaíra Ferro marcando presença com sua bela voz.

    Apesar das experimentações da anterior, os mineiros são mais Metal e com a devidamente sombria e - porque não dizer - épica Depois do Fim, que assinala a última de Servus, sendo que nesta canção o Uganga aplicou um andamento lento tipicamente Doom, onde ouvimos falas 'mecanizadas' na participação do espiritualista Sr. Waldir e também vocais agressivos como se a figura da capa estivesse bradando palavras de ordem de forma que deveríamos atender seu apelo. Inclusive, quero ressaltar aqui a opinião de Manu Joker sobre isso: "A participação do Sr. Waldir foi providencial e me encheu de orgulho, considerando os tempos atuais onde religiões afro-brasileiras são atacadas por falsos moralistas. Na capa, o feiticeiro tem o rosto com pintura de guerra Kayapó, usa colares do budismo e da umbanda e a luz saindo da testa faz referência direta a Raja Yoga/Hinduísmo: é uma fusão louca de simbolismos, sentimentos e energias. Assim como é a música do Uganga".

    Assim como em outros trabalhos do Uganga, Servus é incomum, diferente e inesperado, porém, é bastante pesado, agressivo e encolerizado em sua maior parte sendo digno de sua carreira deles, além de nos direcionar para um Heavy Metal com incursões em Thrash, Doom e Punk, e isso, sem citar as experimentações, que agradam os fãs antigos e conquistam novos, enfim, uma banda sem limites em um dos seus mais impressionantes discos. Vale complementar que depois da gravação de Servus, o guitarrista Maurício "Murcego" Pergentino foi substituído por Lucas Carcaça.
Nota: 9,5.

Por Fernando R. R. Júnior
Dezembro/2019

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