Ira! Folk
Abertura: Anderson Martins
Sede Social do Clube Rio Branco - Andradas/MG
Sábado, 11 de Agosto de 2018
   

    A origem do Ira! remonta há quase quatro décadas, pois, no final dos anos 70, o guitarrista Edgard Scandurra queria montar um banda de Punk, mas, que também tocasse Led Zeppelin e Jimi Hendrix. Em pouco tempo nascia o Subúrbio, que posteriormente recebeu a entrada do vocalista Nasi. Desta maneira, eles começaram a trabalhar juntos e no ano de 1985, aproveitando o bom momento do Rock Brasil da década de oitenta, lançaram já sob o nome de Ira!, o primeiro álbum intitulado como Mudança de Comportamento.

    Desta época para os dias atuais, o Ira! gravou vários clássicos do Rock Nacional e disponibilizou um total de quinze álbuns, sendo quatro ao vivo e onze de estúdio, esteve no Rock In Rio com o Ultraje a Rigor, se apresentou pelo país inteiro e se separou em 2007, por contas de brigas quanto ao gerenciamento da banda, que era comandada pelo irmão de Nasi. A reconciliação aconteceu 2012 e em 2014, a dupla Edgard Scandurra e Nasi recomeçaram a se apresentar após sete anos de hiato. No ano de 2016, o Ira! lançou o projeto Ira! Folk em que a banda toca apenas no formato de banquinho, voz, violão e baixo acústico em parceria com o Canal Brasil, que um tempo depois resultou em um DVD ( lançado em novembro de 2017 ).

    E este modelo intimista de show foi o que pudemos acompanhar nesta gélida noite de sábado na Sede Social do Clube Rio Branco em Andradas/MG, e tanto eu, quanto o excelente público que compareceu estávamos curiosos para conferir como seria o Ira! neste formato, pois, muitos de nós acompanhamos a banda sempre com as guitarras e baixo elétricos, além da sempre importante presença de um baterista. Antes de contar do show principal, primeiramente vou comentar como foi a abertura, que foi realizada pelo competente cantor e compositor Anderson Martins e sua banda.

Anderson Martins

    O violeiro Anderson Martins é nascido em Andradas/MG, neste ano de 2018 disponibilizou o seu primeiro disco intitulado como Girando e para esta apresentação contou com as importantes participações de Marcos Pontes no baixo, Daniela Bernarda na flauta e Paulinho de Bem no cajon, que trouxeram ares mais eruditos ao seu show. O andradense optou por uma estratégia que posso considerar como certeira e ousada, porém, um tanto que arriscada... explico: muitas vezes, as bandas de abertura costumam realizar um set centrado mais em covers de músicas mais conhecidas e não em composições autorais, que em tese são menos conhecidas.

    Entretanto, pela experiência que tenho cobrindo artistas e resenhando álbuns autorais nos anos que estou à frente do Rock On Stage, sei que quando um compositor tem um cd próprio nas mãos e uma oportunidade tão importante quanto esta - a abertura de um ícone como o Ira! - deve fazer isto mesmo... basear seu show em suas criações e sei que ele está certo. Não é uma tarefa fácil e todo músico que se aventura com um trabalho autoral sabe que no início deverá batalhar muito para no futuro que suas músicas sejam pedidas e tão bem recebidas como foram as do Ira! no decorrer desta noite.

    Por volta das 00:20, Anderson Martins com seu tradicional chapéu e com seu violão junto aos demais músicos se posicionaram no palco para iniciarem a apresentação, que começou com a Toda Vez em um pegada mais Rock, que graças a inclusão da flauta tocada pela Daniela Bernarda exalou uma roupagem mais rural. Comunicativo, Anderson Martins procurou comentar um pouco de cada música e a segunda foi a versão dele para a animada Sobradinho da dupla Sá e Guarabira e depois falou do álbum Girando antes de tocar Aquela Rosa, que possui um apelo sentimental em sua letra e um ritmo mais Pop.

    Ao anunciar a seguinte, que foi a Colírio da Carne, Anderson Martins avisou que a música não é sobre religião, embora sua letra tenha uma conotação neste sentindo e a flautista Daniela Bernarda concedeu mais leveza à canção fornecendo espaço para os belos toques no violão feitos por Anderson Martins em que devo salientar também a sua forma de cantar destacando sua voz.

    Em mais uma outra canção autoral, Anderson Martins cantou agora a romântica Vidas, cujos versos ficaram na memória assim como seus solos no violão, que ao seu término recebeu alguns aplausos. Estou Aqui com uma linhagem mais Pop/Rock foi a seguinte produzindo um clima mais reflexivo. Depois, o violeiro executa Girando, a canção título de seu álbum que é bem marcante em seu refrão e em suas linhas instrumentais, notadamente mais Pop. Dedicada para as mulheres ele exibiu a Menina Mulher, que somente quem o acompanha pelas redes sociais estava sabendo desta música, pois, ela não está no cd e mostrou um estilo interessante.

Rock na viola

    Em Coração Estradeiro, Anderson Martins contou que a canção é sempre tocada em festivais e que foi composta por um casal de amigos, mas, a versão na viola é dele, e então, incluiu em seu repertório esta esbelta música. Com uma viola de dez cordas, Anderson Martins surpreende aos que achavam que ele não toca Rock em seus shows com uma versão de Psycho Killer do Talking Heads provando que é possível sim tocar Rock'n'Roll até um tanto mais pesado nesta configuração e por se tratar de uma música mais conhecida, o público correspondeu mais.

    A mais lenta e mais voltada para uma balada, Moça passou ares positivos para pouco depois ele tocar a Meu Radinho, uma composição que é um o Samba Rock bem cativante e que nesta versão ao vivo comprovou as boas impressões que tive ouvindo o cd. Anderson Martins agradece pela apresentação e nos proporcionou um momento puramente nos moldes da verdadeira Música Popular Brasileira com a Minha História, que produziu no palco a atmosfera que sinto ao assistir o Sr. Brasil ( programa da TV Cultura apresentado pelo genial Rolando Boldrin ), seja pelos dedilhados, pela flauta, pela voz ou pela musicalidade que envolveu o Clube Rio Branco.

    Ele rapidamente apresentou a banda e emendou um medley com Morena Tropicana do Alceu Valença com Frevo Mulher do Zé Ramalho e um trecho de Menino da Porteira do Sérgio Reis ( porém, no ritmo da anterior, que ficou deveras intrigante ), que por serem hits da música brasileira contaram com uma efervescência maior do público presente.

    E interessante foi que Anderson Martins mudou o andamento da música sem fugir de sua entonação, que em shows ao vivo é deveras importante e o que realmente diferencia a canção. Aproveitando o momento mais empolgante do show, o violeiro fechou sua participação nesta noite do Ira! Folk com Trem da Minha Vida se despedindo após pouco mais de 50 minutos de show, que foi um bom aquecimento para o que teríamos depois. Continue firme Anderson Martins, além de sempre insistir em suas composições sempre que possível.

Set List Anderson Martins

1 - Toda vez
2 - Sobradinho
3 - Aquela Rosa
4 - Colírio da Carne
5 - Vidas
6 - Estou Aqui
7 - Girando
8 - Menina Mulher
9 - Coração Estradeiro
10 - Psycho killer
11 - Moça
12 - Meu Radinho
13 - Minha História
14 - Morena Tropicana / Frevo Mulher / Menino da Porteira
15 - Trem da Minha Vida

Ira! Folk

    Instantes depois serem anunciados, o trio formado por Nasi nos vocais, Edgar Scandurra no violão e - seu filho - Daniel Scandurra no baixo, discretamente, ocuparam seus postos no palco e antes mesmo de começar, o vocalista saudou a plateia disse que este show é praticamente no estilo em que nascem as canções, antes de receberem mais peso, mais arranjos, enfim, vimos as composições em estado embrionário, como ele enfatizou. E claro, além desta parte mais informativa quanto ao show em si, Nasi também provocou falando "Segue o Líder", uma alusão ao seu time do coração, que está neste momento liderando o Campeonato Brasileiro, aliás, ele repetiu isso praticamente por todo o tempo.

    Tal qual o primeiro disco gravado pelo Ira!, a primeira música escolhida para iniciar o show foi a Mudança de Comportamento em que vimos Edgard Scandurra dedilhar seu violão calmamente, Nasi cantar seus versos com suavidade e nos passando muita emoção, que naturalmente fizeram a plateia cantar com ele, afinal, lembramos de pontos positivos em nossas vidas em que esta música fez parte deles. E a canção fica muito mais viva quando exibida desta maneira com os três músicos sentados na nossa frente, pois, pareciam mais que estavam tocando em um bar para um seleto grupo de fãs e não para um Clube Rio Branco cheio como estava.

Como se fosse em casa

    Na seguinte, Edgard Scandurra dedilha seu violão longamente até que as notas de Dias de Luta ( do Vivendo e Não Aprendendo de 1986 ) aparecerem e novamente fizeram a plateia participar com o vocalista, porém, na hora dos solos, o guitarrista utilizando sua pedaleira nos enviou efeitos mais eruditos e até progressivos, que dimensionaram a música para outros níveis. Em um ritmo mais lento, Flerte Fatal ( do Acústico MTV! de 2004 ), que por ter sido também um sucesso muito grande, fez a maioria cantar com Nasi, que já estava sem a blusa que entrou no palco. Mas, nem tudo era tranquilidade no show, pois, os efeitos do pedal de distorção de Edgard Scandurra trouxeram um clima surreal e com um tanto de psicodelismo.

    15 Anos presente no Vivendo e Não Aprendendo mostrou toques introspectivos feitos por Edgard Scandurra nas notas de seu violão, que se intensificaram em Perigo do Música Calma, Para Pessoas Nervosas ( de 1993 ), que apareceu bastante viajante. Outra que é muito conhecida foi a Receita Para Se Fazer Um Herói do álbum 'aniversariante' ( o Psicoacústica de 1988 ) em que a influência Reggae também apareceu nesta versão Folk. Além disso, todas as canções estavam passando boníssimas vibrações para nós na plateia e pouco depois, eles dispararam um "Lado B" deste disco com Mesmo Distante, que somente aqueles mais fãs conheciam.

    Muito aguardada por todos, O Girassol, que originalmente foi gravada no álbum 7 ( de 1996 e estourou mesmo no Acústico MTV! ) colocou literalmente o Clube Rio Branco para vibrar, pois, todos fizeram questão de cantar seus versos bastante empolgados com Nasi, especialmente, as mulheres. E o vocalista levantou-se de sua cadeira e andou um pouco pelo palco, além de reger nossa 'atuação' como um maestro do Rock'n'Roll. Outra que também foi sinônimo de muito êxtase na plateia foi a Eu Quero Sempre Mais, que também é do álbum 7 e que seguiu esta mesma situação até o seu resgate no álbum acústico com a icônica participação da cantora Pitty e que nesta noite foi a motivadora do vocalista virar o microfone para que nós cantássemos seus versos e ele nos comandando somente mexendo as mãos.

    A serena Boneca de Cera do disco Clandestino de 1989 contou com Edgard Scandurra depositando seu 'feeling' nas notas de seu violão e em seus vocais, que foram prontamente acompanhados por Nasi e percebemos o verdadeiro impacto que este show Folk do Ira! produzia: nos colocar diante de canções que normalmente não são tocadas nos shows 'plugados' levando esta apresentação um ar de 'cult'. Isto ficou evidente com a Culto de Amor do Invisível DJ de 2007, que é uma canção mais voltada para um lado experimental e que combinou muito bem com esta linhagem Folk.

    Antes da próxima Nasi apresentou o baixista Daniel Scandurra e o seu parceiro de longa data Edgard Scandurra, comentou sobre o projeto Ira! Folk, entretanto, o que ele não contou foi que este era o segundo show do dia, o primeiro foi elétrico em Jundiaí/SP. Que fôlego!!!

    Depois nas palmas - assim que percebemos de qual canção se tratava - o Ira! executou a Tarde Vazia, que era muito aguardada pelos mais velhos ( que foram maioria nesta noite ) e que foi outro emblemático momento do show, que para mim teve uma amplitude maior: enquanto fotografava vi o Nasi apontar para o logotipo do Led Zeppelin na minha jaqueta jeans e depois bater no seu peito em uma saudação respeitosa à lendária banda inglesa. São ocasiões como esta que a vida cobrindo Rock'n'Roll me proporcionam e me enchem de uma significante alegria. Além de aplaudir, o público presente no Clube Rio Branco cantou com plena força dos pulmões esta música do disco Clandestino.

    Prosseguindo o show, o trio exibiu a Mariana Foi Pro Mar, outra do Invisível DJ, que foi bem recebida em seu andamento Country e logo após, outro daqueles sucessos que imortalizaram os paulistanos no Rock Nacional com Tolices ( do Mudança de Comportamento ), que nos inflamou consideravelmente e foi a primeira de uma sequencia marcante, que normalmente muitas bandas aplicam quando o show está se aproximando do final, sendo que o entusiasmo que sentíamos era tamanho, que o tempo passou imperceptível... era realmente uma sinergia grande entre banda e fãs.

    Isso, ficou mais fácil de se perceber assim que Flores em Você do Vivendo e Não Aprendendo foi tocada com primor por Edgard Scandurra em seu violão e nós fizemos questão de cantar cada um de seus versos com Nasi. E esta versão 'desplugada' deste sucesso da abertura novela O Outro da Rede Globo datada do longínquo ano de 1987 ficou tão bonita quanto a original. Depois, chega a vez de Rubro Zorro, canção de abertura do Psicoacústica, que trouxe um pouco de peso em linhas um tanto que Country Rock. A última antes do bis foi o clássico Envelheço na Cidade do Vivendo e Não Aprendendo, que após repararmos nas suas primeiras notas extraídas do violão de Edgard Scandurra foi aquela felicidade única, que recolocou o público para agitar bastante por acompanhar esta música de perto, que deve direito até a uma dancinha discreta do vocalista Nasi, que neste momento já não se continha mais em sua cadeira.

    Aos gritos de "Ira!... Ira!..." e muitos aplausos, o trio retorna com Telefone, que foi gravada no Isso é o Amor de 1999, que no álbum conta com Fernanda Takai ( do Pato Fu ) e nesta noite, quem ficou com esta 'responsabilidade' fomos nós na plateia e acredito que a cumprimos com louvor. Em seguida, continuaram com o medley de Tanto Quanto Eu ( do Vivendo e Não Aprendendo ) com Bebendo Vinho ( outra registrada no Isso é o Amor ), sendo esta última impossível faltar em Andradas, pois, a cidade é famosa por suas várias vinícolas.

     Óbvio, que a indiscutível e palpitante Núcleo Base ( do Mudança de Comportamento ) tinha que estar no set e foi o encerramento fervoroso do show. E não posso deixar de mencionar os prolongamentos feitos por Edgard Scandurra em seu violão, que foram de uma beleza singular. Nasi se despede dizendo um sonoro "Obrigado Andradas..." e fica batendo em seu microfone até puxar um trecho de "Eu não quero ir embora...", uma versão de Seven Nation Army do White Stripes.

    Lógico, que ao longo dos anos nos acostumamos com o Ira! com a eletrificação da guitarra de Edgard Scandurra e das sempre importantes atuações de André Jung na bateria e Ricardo Gaspa no baixo ( ambos da fase clássica e que gravaram os principais discos da carreira ), atualmente substituídos por Evaristo de Pádua e o já citado Daniel Scandurra, respectivamente, entretanto, o formato Ira! Folk foi muito bacana de se acompanhar e garantiu uma boa noite de Rock'n'Roll, cujo show durou cerca de uma hora e meia, porém, foi tão bom e tão agradável, que passou rapidamente, além de ter gerado uma enorme satisfação em assisti-lo.

  Depois do show, a dupla formadora do Ira! gentilmente recebeu os fãs para uma foto, um autografo e um breve papo, e certamente, que eu e algumas amigas nos encaminhamos para lá e aí mais duas curiosidades aconteceram: Edgard Scandurra já estava na van e muito simpático atendeu o pedido da minha amiga Emiliana e veio tirar uma foto com a gente ( e aproveitei para agradecê-lo pelas músicas que criou ao longo dos anos, que fizeram e fazem parte da trilha sonora da minha vida ) e também o Nasi, que novamente reparou no logotipo da minha blusa e começou a cantar um trecho de Immigrant Song do Led Zeppelin. Ou seja, mais um importante motivo para guardar esta noite na memória e com mais histórias para contar.

    E parabéns ao Clube Rio Branco pelos seus 70 anos de história, que em mais uma excelente comemoração nos propiciou um espetáculo de Rock'n'Roll em uma pegada Folk/Acústico com este show do Ira!. Que venham muitos anos mais trazendo nomes com esta qualidade para o interior.

Texto e Fotos: Fernando R. R. Júnior
Agradecimentos para Di Corradi e ao Clube Rio Branco
pela atenção e credenciamento
Agosto/2017

Set Lit do Ira! Folk

1 - Mudança de Comportamento
2 - Dias de Luta
3 - Flerte Fatal
4 - 15 Anos
5 - Perigo
6 - Receita Para Se Fazer Um Herói
7 - Mesmo Distante
8 - O Girassol
9 - Eu Quero Sempre Mais
10 - Boneca de Cera
11 - Culto de Amor
12 - Tarde Vazia
13 - Mariana Foi Pro Mar
14 - Tolices
15 - Flores em Você
16 - Rubro Zorro
17 - Envelheço na Cidade

Encore:
18 - Telefone
19 - Tanto Quanto Eu / Bebendo Vinho
20 - Núcleo Base

 

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