Roger Waters - This Is Not a Drill
Estádio Allianz Parque em São Paulo/SP
Sábado, 11 de Novembro de 2023

O maior espetáculo do ano

    Genial, incompreendido, visionário, polêmico, altamente criativo, ácido, ativista e ferrenho defensor dos direitos humanos. Estas características podem e são todas atribuídas ao mestre Roger Waters, que retornou ao Brasil cinco anos após a sua explosiva turnê Us + Them, onde procurava mostrar as diferenças entre as pessoas e preconizar a união delas, mas, conforme a história nos mostrou, não foi isso que aconteceu e aí promovo uma breve retrospectiva de alguns dos acontecimentos dos últimos anos.

    A última passagem no Brasil em 2018 aconteceu um pouco antes das eleições presidenciais e - embora alertados pelo inglês - assistimos a ascensão da extrema direita ( aliás, isso está acontecendo em praticamente todas as democracias do planeta como um todo e é preciso repensá-las ) e todos os problemas que isso acarretou ao país ( e ainda acarreta ). Se isso não fosse suficiente, um ano depois tivemos a descoberta do Covid 19 e a eclosão da pandemia da sua maldita doença em 2020, que - infelizmente - vitimou milhões de pessoas em todo o mundo, sendo que muitos de nós também perdemos amigos e/ou parentes.

    Graças às vacinas, pudemos retomar nossas vidas tentando voltar aos padrões de 2019, mesmo enfrentando um cenário político/social abaixo do razoável por conta das implicações da pandemia, porém, lamentavelmente vimos também estourar a guerra na Ucrânia, onde a Rússia invadiu o país e as batalhas lá estão ceifando as vidas de milhares de pessoas e, mais recentemente, o ataque do Hamas em Israel, que causou na região à uma nova guerra na Faixa de Gaza com milhares de mortos em um número crescente a cada dia.

    Aliás, a famigerada pandemia fez que esta turnê nomeada como This Is Not a Drill do Roger Waters que estava inicialmente programada para 2020 fosse também adiada e somente realizada a partir de julho de 2022 e no Brasil foi realizada no final de outubro e início novembro de 2023.

    Basicamente, nós que amamos o Pink Floyd e admiramos de igual forma a carreira solo de Roger Waters aguardávamos o seu retorno o quanto antes e assim que as datas foram confirmadas no país tínhamos uma certeza: de presenciar este fabuloso show em uma das suas sete datas brasileiras. E nesta matéria para o Rock On Stage contarei como foi o primeiro show em São Paulo/SP no Allianz Parque, que foi o penúltimo da turnê no Brasil ( o último também foi na capital paulista no dia seguinte e depois que assisti este... meu desejo foi de estar novamente lá no segundo dia ).

   O horário de início do show previsto era às 20hs, todavia, tivemos uma frase ecoada em todos os P.A.'s do estádio informando que iria demorar 15 minutos, frase essa que foi repetida quando faltavam 10 minutos e que se a intenção era de aumentar o 'hype' da galera, não tenham dúvidas que o octogenário Roger Waters conseguiu com facilidade.

    Pois bem, às 20:20hs ouvimos ( em inglês e na voz de Roger Waters ) e lemos ( em português, inglês e espanhol ) nos gigantes telões a frase: "Senhoras e senhores, por favor, ocupem seus lugares. O espetáculo está prestes a começar. Antes de começar, duas mensagens públicas. Primeiramente, em consideração aos demais espectadores, desliguem seus celulares. E em segundo lugar, se você é daqueles que diz 'eu amo o Pink Floyd, mas não suporto a política do Roger', vaza pro bar! Obrigado."

    Bem, desligar os celulares é mais complicado, pois, todos querem registrar um pedaço do show, agora, se alguém dentre os 47.000 presentes foi novamente em um show do Roger Waters e discorda de suas opiniões políticas conhecendo-as, realmente ir apenas até o bar é uma mensagem até amenizada ao se comparada com o 'fuck off' que ele dizia no início da turnê. E mesmo o show apresentando um tom relativamente mais suave ao se comparar com todas as corretas alfinetadas da turnê anterior... com Roger Waters no palco sabemos que teremos um espetáculo sem igual daqueles que será aclamado por todos como um dos melhores que já assistimos e repleto de novas críticas ao sistema.

Tempestade

    Ao som de trovões e fortes estrondos, vemos Roger Waters chegar no palco junto de sua banda formada por Jonathan Wilson e Dave Kilminster nas guitarras e vocais, Jon Carin nos teclados, guitarra e vocais, Gus Seyffert no baixo e vocais, Robert Walter nos teclados, Joey Waronker na bateria, Shanay Johnson e Amanda Belair nos backing vocais e Seamus Blake no saxofone. O baixista e líder Roger Waters chegou vestido com o jaleco de médico e sentou em uma cadeira branca, olhando o prontuário de seu paciente e prescrevendo o seu tratamento para então cantar Comfortably Numb do The Wall de 1979, porém, agora exibida na versão que ele fez para música de 2022, totalmente mais sombria e sinistra.

    A primeira catarse do Allianz Parque foi logo neste início, pois, ficamos arrepiados ao revê-lo cantando este clássico do Rock, e era impressionante e carga dramática que Roger Waters aplicou nesta música enquanto interpretava sentado os seus versos aliados à uma roupagem Progressiva e muito viajante feita pelos demais músicos de sua banda, que contou ainda com uma atuação excelente de Shanay Johnson na parte que caberiam aos limados solos de David Gilmour, que mesmo sem a maestria desses solos, esta versão também ficou muito boa.

    Antes de prosseguir creio que já fomos expostos ao primeiro forte questionamento de Roger Waters... quem seria o paciente que ele estava medicando senão a humanidade que está notadamente doente nos tempos atuais com tudo que está acontecendo no mundo.

Recados diretos

    Ainda no The Wall, tivemos a The Happiest Days Of Our Lives com Roger Waters expressando todo seu descontentamento com a política através de mensagens nos telões como "Them Evil Good Us" ( ou "eles nos maltratam bem" ), "Nós somos bons?", "Eles são maus?" e "Quem diz isso?" com a seguinte resposta em letras garrafais "The Goverment" ( o governo ) e "Seriously" ( seriamente ) para que todos pudessem ler e entender o aviso.

    E foi seguida como no disco por Another Brick In The Wall, Part 2, onde saliento os solos de guitarra de Dave Kilminster em um seção rítmica impactante ( com o vocalista se dirigindo até a parte esquerda do palco - direita de que olha - para saudar os fãs ), que foi ligada na Another Brick In The Wall, Part 3 com mais outras mensagens certeiras nos telões como "Don't need no arms" ( "Não preciso de armas" ), "Don't need no drugs" ( "Não preciso de drogas" ), "Don't need no Wall" ( "Não preciso de muros" ), além de "Faça amor e não a guerra" e "Taxar os ricos e não os pobres". É.. se alguém tinha dúvidas, Roger Waters mostrou que seu show é político sim e que está levantando bandeiras que são - mais do que nunca - de extrema importância nos dias de hoje.

Martelos

    Disse que o show estava mais ameno, porém, assim que The Powers That Be do Radio K.A.O.S. de 1987 entrou em cena junto a sirenes policiais, vimos Roger Waters com o seu baixo em mãos e seus protestos serem colocados nos telões em colorações vermelhas e pretas exibindo nas várias pessoas mortas, nos Estados Unidos, Inglaterra e França por serem negras, na Palestina por serem simplesmente palestinos defendendo direitos civis, no Brasil por criticar os policiais - a conhecida brutalidade policial, que já matou muitas pessoas, entre vários outros casos. E um detalhe... na farda dos soldados das animações reparei nos martelos cruzados, o símbolo do ditador que é o personagem do disco The Wall. Foram imagens fortes, violentas, mas que são reais e deveriam chocar mais a todos.

Presidentes ou sanguinários?

    Para a contagiante balada progressiva The Bravery Of Being Out Of Range temos um discurso do ex-presidente norte-americano Ronald Reagan dizendo que as opiniões dele e dos demais conterrâneos resultaria em guerras, e Roger Waters apontou cada um dos ex-presidentes dos Estados Unidos como criminoso de guerra pelas mortes ocasionadas pelas decisões oficiais deles durante os seus mandatos, e não poupou nenhum, houveram críticas à George H. W. Bush, Bill Clinton, George W. Bush, Barack Obama, Donald Trump e até Joe Biden ( que segundo ele está apenas começando ).

    Vale complementar que mesmo rapidamente, imagens de Wladimir Putin, Kim Jong-un e Xi Jinping também apareceram. Nesta música do disco Amused To Death de 1992, Roger Waters cantou do piano conferindo ainda mais emoção à canção que somada com suas imagens nos faz pensar nos líderes que temos no mundo.

Visitando o Bar

    Na primeira conversa com os fãs, Roger Waters comentou que tocariam uma música nova, cujo título é The Bar, e que o bar é um lugar para conversamos com as pessoas, confraternizar, fazer novas amizades, ver e respeitar quem é diferente e concluiu dizendo que o estádio nesta noite é um grande bar e que vamos celebrar todos juntos em harmonia.

    Desta forma, Roger Waters voltou para o piano e exibiu esta emocionante nova composição ancorado pelas suas backing vocals, que ficaram próximas à ele neste momento bastante intimista, que resultou em muitos aplausos. Nos telões foram exibidas imagens de quando os índios Sioux protestaram para que ficassem com suas terras em Dakota do Norte nos Estados Unidos desde 2016.

    Com o marcador do tempo recuando até 1974 e para a época que Roger Waters - segundo ele - tocava em uma banda diferente tivemos Have A Cigar do Wish You Were Here com muitas imagens do Pink Floyd nos anos 60 e 70 nos telões. Em Have a Cigar, Roger Waters cantou de pé com seu baixo em punho extraindo dele notas pesadas e perfeitas, que foram para mim o momento mais espetacular desta primeira parte do show.

Como tudo começou

    Depois disso, antes da próxima, Roger Waters nos contou uma história através dos telões com escritos em português de como ele e Syd Barrett ainda crianças em Cambridge foram para Londres em um concerto Pop no Gaumont State em Kilburn para assistirem Gene Vicent e The Rolling Stones.

    Na volta para casa, os dois fizeram um acordo que assim que chegassem na faculdade em Londres, eles começariam um banda, que se tornou o Pink Floyd. Essa história foi acompanhada por um dos maiores clássicos da história do Rock com Wish You Were Here, com Roger Waters no violão passando muita emoção a cada uma de suas estrofes, que cantamos em uníssono.

This Is Not a Drill

    E a história continuou a ser contada com mais frases nos telões, especialmente, o trecho em que citou o seguinte: "Depois disso as coisas ficaram um pouco complicadas. Alguns anos depois em 1968, após uma reunião na Capitol Records em Los Angeles, Syd Barrett e eu paramos em um semáforo em Hollywood e Vine. Syd sorriu para mim e disse - 'É bom aqui em Las Vegas, não é?' Então seu rosto escureceu e ele cuspiu uma palavra - "pessoas". Quando você perde alguém que ama, isso serve para lembrá-lo. Isso não é um treinamento. E é tão fácil perder, não é?"

    Para mim esta foi a mensagem mais importante do show... enquanto perdemos tempos brigando, idolatrando políticos, apoiando guerras ou ditadores, enquanto somos enfeitiçados pela TV, enfim, enquanto tudo isso acontece, a vida passa e muitos que nós amamos nos deixam, e nós não passamos com eles o tempo suficiente da forma que deveríamos. Então, se além de todas as críticas, Roger Waters desejava deixar um recado para ser lembrado para sempre, creio que seja esse, desta forma, aproveite sua vida com quem você ama o máximo de tempo que puder, pois, a vida - e me permito repetir - não é um treinamento.

Lembranças de Syd Barrett

    Depois de Wish You Were Here foi a vez da terceira deste álbum na sequencia ( com seu Lado B executado na integra ) com a Shine On You Crazy Diamond ( Parts VI-IX ), com Roger Waters novamente com seu baixo para a magnífica, viajante e obscurecida sequencia instrumental, que só não fechei os olhos, pois, queria ler as histórias colocadas em português nos telões.

    Histórias essas que diziam o seguinte: "Por volta da época de Wish You Were Here, outra coisa que deu errado foi o meu primeiro casamento. Então, eu estava emocionalmente instável. Uma noite jantando na cantina do Abbey Road eu quase me perdi. Foi como olhar na direção errada através de um par de binóculos. Eu estava comendo ovos pequenos, salsicha, batatas fritas e feijão com uma faca e garfo pequenos em uma mesa pequena com uma banda pequena. Foda-se, eu estou tendo um colapso nervoso. É assim que acontece.

    Então, eu murmurei minhas pequenas desculpas, atravessei a pequena cantina pela pequena porta, subi as escadas em direção ao pequeno estúdio 3. Sentei-me ao piano de cauda, fechei os olhos e comecei a tocar. Não faço ideia de quanto tempo fiquei lá, mas, eventualmente uma voz disse - 'Roger estamos voltando'. Respirei fundo e Steinway estava de volta ao tamanho normal. Merda. Dessa vez não me perdi."

    Sobre isso acima só posso dizer que viagem!!! Na parte que Shine On You Crazy Diamond ( Parts VI-IX ) deixa de ser instrumental e tem versos procuramos cantar com todas as nossas forças com Roger Waters, além de aplaudir quando as imagens dele, Syd Barrett, Nick Mason e Rick Wright apareceram nos telões ( é a treta com David Gilmour continua, não lembro de ter visto ele ). Quem mereceu um destaque nesta música foi o ótimos saxofonista Seamus Blake que brilhou em seus solos ante a belíssima base desta música e também o baterista Joey Waronker atuando com uma precisão única. Nem preciso dizer que Roger Waters sente demais a falta do amigo Syd Barrett desde sempre, correto?

1977

    Para contextualizar a próxima música, os telões continuaram a exibir mais frases e estas começaram da seguinte forma: "Sim.. e então vieram os anos 70. Em 1977, lançamos o Animals, minha homenagem ao grande George Orwell, que estava tão certo em nos alertar sobre o futuro distópico em seus livros 1984 e A Revolução dos Bichos. E também estava Aldous Huxley em Admirável Mundo Novo. E Dwight D. Eisenhower estava certo em seu discurso sobre o Complexo Industrial Militar. Eu também estava certo quando escrevi Sheep."

    Antes de continuar a contar sobre o show, recomendo as leituras de 1984, A Revolução dos Bichos e Admirável Mundo Novo, três excelentes livros que te fazem pensar muito e te levará a muitas reflexões de como estes autores estavam à frente de seu tempo e colocaram situações que parecem que estão acontecendo em nossa sociedade.

    Voltando ao show... sim, meus caros leitores e leitoras do Rock On Stage, hora de mergulhar em um dos mais importantes álbuns conceituais da história, o Animals, com a Sheep, com direito a Roger Waters imitando um cordeiro querendo que nós retribuíssemos para que então o épico Progressivo fosse exibido para a multidão no Allianz Parque. E uma gigante ovelha foi puxada por algumas pessoas em torno do estádio chegando próximo de quem estava nas cadeiras superiores e inferiores.

    Na obra A Revolução dos Bichos, as ovelhas simbolizam o povo, que é governado pelos porcos que sempre anseiam poder e mais poder.

    Absurdo de como foi perfeita a execução de Sheep nos levando a profundas viagens sensoriais, que somente estando presente você consegue desenvolvê-las e que ficarão registradas em nossa mentes para sempre. E Roger Waters comandou tudo junto de seu baixo soltando sua voz com uma garra de produzir inveja.

    As imagens nos telões relacionaram ovelhas, porcos, com imagens do vírus do Covid 19 e discussões em redes sociais até culminarem em uma tropa de ovelhas aprendendo a lutar com suas costas escritas a palavra Resist, preconizando também nossa resistência contra o capitalismo e, principalmente, o fascismo, que finalizaram a primeira parte do show que durou pouco mais de uma hora com algumas explosões.

Proibições não lhe impedem

    Depois da parada que durou por volta de uns 15 minutos e que é comum em shows de Rock Progressivo, ouvimos a palavra "Hammer" repetidamente, inicialmente baixa e distante, para posteriormente ter o seu tom aumentado a cada segundo em meio à tiros, sirenes policiais, aviões, rajadas de balas e também um enorme porco com a pintura de um muro branco puxado por alguns membros da produção em torno do estádio com os dizeres de um lado: "You're up aganist the wall right now" ( ou 'você está contra a parede agora' ) e do outro: "He's mad, don't listen" ( 'ele é louco, não dê ouvidos' ).

    Roger Waters pode ter sido proibido de se fantasiar como um ditador extremista, que possa fazer alguma alusão ao nazismo ou antisemtismo, mesmo que em total crítica, coisa que sempre fez em todos os shows por anos e anos, mas não lhe foi vedado o direito de utilizar outra forma de passar a sua correta advertência.

    Como gênio que é, ele foi trazido para o palco em uma cadeira de rodas, todo amarrado em uma camisa de força, tal qual um velho ditador extremamente preconceituoso disparando simplesmente In The Flesh, para causar um estampido nos corações de todos os presentes com este sucesso do The Wall, que cantaram com ele seus versos. Após tomar uma injeção dada por seus enfermeiros para se acalmar, o ditador senil foi retirado do palco, e fomos submetidos à explosões de fogos de artifícios. Curiosidade... nos telões vimos jaulas com o ano de nascimento de Roger Waters... 1943.

Resistência

    Questionando em inglês e com a tradução para nossa língua víamos nos telões: "Há algum paranoico no estádio nesta noite? Isso é para vocês chama-se... 'Run Like Hell'... Vamos aplaudir... siga-me... divirtam-se".  Todos aplaudem o frontman Roger Waters, agora com uma roupa toda branca ( seria o ditador que escapou de seus cuidadores e que veio fazer o show? ) e nos telões mais mensagens políticas, os martelos marchando e também a ressaltando a importância da resistência.

    Os telões exibiram frases como: "Everything was alright. The struggle was finished. He had won the war over himself. He loved big brother" ( ou "Tudo estava bem. A luta terminou. Ele venceu a guerra contra si mesmo. Seu amado Big Brother" ) e imagens que não deveriam resultar em milhões de visualizações criticando as redes sociais com martelos marchando atrás das grades.

    Como é um costume, Run Like Hell provocou a participação de todos os presentes, que gritaram também a palavra 'Hammer' intercalada com 'Resist' deixando altamente claro para quem duvidasse da luta entre a opressão e a resistência pela liberdade. Inclusive, Roger Waters retira a camisa branca ( simbolizando os opressores ), e na frente de sua outra camisa preta estava escrito Resist. É temos que resistir ao fascismo.

Este é o mundo que nós queremos?

    Nos instantes finais de Run Like Hell vemos uma imagem assustadora... civis desarmados no Iraque que foram mortos por um helicóptero militar norte americano. E também um diálogo:
- Você está vendo todos aqueles lá embaixo, uma deles está armado.
- Oh.. sim.. aquilo é uma arma, sim.
- Cinco a seis indivíduos com AK-47, pedindo permissão para atacar.
- Mate todos eles.

O clima para a próxima música foi iniciado em sons calmos, viajantes e explicado assim:
 - O que diabos foi aquilo?
- Filmagem de um helicóptero de ataque do Exército dos EUA sobre Bagdá em 2007.
- Meus Deus, quem eles mataram?
- Dois cinegrafistas da Reuters, Namir Noor-Eldeen e Saeed Chmagh, outros oito civis.
- Caramba. O que aconteceu com os assassinos?
- Nada.
- Uau... de onde veio a filmagem?
- Foi vazada por uma soldada dos EUA muito corajosa... Chelsea Manning para um editor australiano igualmente corajoso, Julian Assange.

    Após essas frases vemos Roger Waters no violão para cantar Déjà Vu e Déjà Vu ( reprise ), ambas do último disco de estúdio dele, o Is This The Life We Really Want?, que foi lançado em 2017.

    E esta música é muito emblemática e te atinge com suas melodias imediatamente e vê-lo cantar seus versos dedilhando seu violão com um Keffiyeh ( lenço que Yasser Arafat sempre usou na cabeça ) enrolado no pescoço, as imagens da Faixa de Gaza com vários locais destruídos e a mensagem de "Stop The Genocide" nos telões deixaram para lá de claro para quem era dirigida esta crítica, que contou também com um excelente solo de Dave Kilmister na guitarra e de saxofone feito por Seamus Blake, sendo que nos telões, Roger Waters aproveitou do estilo sereno de Déjà Vu para clamar pelo direitos humanos dos palestinos, dos indígenas, dos iemenitas, das pessoas trans, enfim, todos os que são oprimidos gerando muitos aplausos de todos os presentes. 

    Mantendo teor crítico do show tivemos a canção título do último álbum de Roger Waters com a marcante e questionadora Is This The Life We Really Want? em que ele voltou para o piano vocalizando sua letra de certa forma agressiva exalando isso nos telões com as imagens de marcas globais capitalistas, que só importam com o dinheiro e também de governos que utilizam do medo como forma de política.

    Todas essas atrocidades exibidas, que estamos até enjoados de ver na TV cotidianamente podem serem consideradas normais? Estamos normalizando a violência? Estamos considerado isso normal? E aí a pergunta "é neste mundo que queremos viver?" A resposta deixo para cada um de vocês que estão lendo o texto, me contem.

The Dark Side Of The Moon

    Bem, Roger Waters não deu tempo para pensarmos nas questões anteriores, até porque esta reflexão deverá ser feita com tempo e seguiu o show com Money do mais aclamado disco do Pink Floyd, a obra prima The Dark Side Of The Moon de 1973, que teve seu "lado B" tocado na plenitude no show. Em Money, Seamus Blake no saxofone e Jonathan Wilson na guitarra e nos vocais assumiram o protagonismo nos solos amparados de perto por Roger Waters no seu baixo preto com direito à prolongamentos, que adoramos cada segundo deles ( dá para trazer à mente agora os toques em seu baixo ).

    Em Us And Them, outra estupenda composição, a presença do saxofone tocado por Seamus Blake já no seu princípio e do guitarrista Jonathan Wilson cantando seus versos tendo como apoio nos backing vocals Roger Waters. Nos telões foram exibidas imagens de guerras, de locais pobres, de explosões, de tristeza e também de toda a simplicidade que existe no sorriso de uma criança feliz, que nos fazem pensar no que fazemos no mundo e no que podemos ajudá-lo para melhorar.

 

    Creio que Rick Wright deve ter aprovado o que Jon Carin fez na instrumental Any Colour You Like, pois, seu clima ficou tão belo quanto no disco nos proporcionando imersões únicas e maravilhosas unidas aos solos de Dave Kilmister em sua guitarra.

   E como estas músicas são todas interligadas como se fossem uma só, chegamos na minha favorita, a Brain Damage com Roger Waters no violão vocalizando com muito carisma sua letra e sendo acompanhado por muitos de nós sentindo uma imensa alegria nesta deslumbrante viagem.

    Isso tudo preparou para o ápice do show e do disco com a Eclipse com Roger Waters e suas backing vocals Shanay Johnson e Amanda Belair cantaram com muito feeling, onde tivemos majestosos prismas na frente do palco que se formaram e lasers que fizeram o espectro do arco-íris relembrando a capa deste esplêndido disco em um efeito visual colossal e memorável por todo o estádio Allianz Parque.

introspectivo

    Consideravelmente aplaudido e com gritos de "OIê... OIê... OIê... Roooogeeer... Roooogeeer....", visivelmente muito contente bradou um "Obrigado" e falou bastante conosco. Ele aproveitou este momento para comentar da música seguinte e da importância que não tenhamos uma III Guerra Mundial, uma guerra nuclear que poderia resultar num temível inverno nuclear e a extinção da humanidade, todavia, com tudo que acontece no planeta, tem horas que parece que muitos desejam o fim da raça humana.

    Assim, com os dedilhados de seu violão tivemos a esbelta Two Suns In The Sunset do The Final Cut de 1983, cujas animações exibidas retrataram muito bem o que seria o segundo sol no por do sol ( a detonação de um artefato nuclear ) e toda a incalculável devastação que isso provocaria. Outra vez Seamus Blake nos brindou com outro lindo solo em seu saxofone.

    Foi muito interessante Roger Waters convidar todos da sua banda para ficarem perto dele no piano tomarem um gole de Mezcal ( bebida alcoólica mexicana ) com o seu falante líder, que disse entre outras coisas, que sua esposa Kamilah Chavis estava acompanhando o show, elogiando Bob Dylan pelo álbum Blonde On Blonde e relembrando de seu irmão John D Waters, que faleceu no ano passado. Isso tudo precedeu The Bar ( reprise ), que foi bastante, mais comovente que sua primeira parte.

    Depois de tantas críticas e de citar tantas divisões, muitas delas por conta dos muros que colocamos em nossas vidas e/ou que os políticos colocam... Roger Waters ainda no piano tocou a Outside The Wall em uma versão sensibilizante e praticamente acústica diante de todos os integrantes de sua banda fazendo um excepcional acompanhamento com acordeão, violões, flauta, instrumentos de percussão, cujos prolongamentos serviram para que todos andassem pelo palco e fossem apresentados cada um para nós para serem aplaudidos até saírem do palco um a um saudados por Roger Waters, que por fim também saiu do palco e pudemos ver nos telões que a festa continuou nos bastidores.

    Até desejávamos que após duas horas e quarenta minutos de show ( somando-se aí o tempo da pausa ) tivéssemos mais alguma outra música, entretanto, estávamos todos tão extasiados de felicidade que sabíamos em nossos corações que presenciamos um show histórico que deverá ser contado para todos os nossos amigos e amigas e também enaltecer seus aspectos políticos e sociais que não podem serem esquecidos, onde devemos lutar, se posicionar e resistir a opressão causada por alguns dos péssimos líderes que temos no mundo, que se não estão no poder anseiam voltar.

    Tomara que todos nós tenhamos aprendido e saibamos nos posicionar, nos indignar, discutir e lutar pelo que é certo quando for necessário, entretanto, isso não é uma tarefa tão simples.

Até a próxima...

    Embora esta This Is Not a Drill tenha sido anunciada como uma Farewell Tour ( turnê de despedida ), todos queremos que Roger Waters possa retornar no Brasil mais uma vez para que toda essa sinergia musical singular a que fomos expostos nesta noite de sábado possa ser repetida novamente.

    Registro aqui também os meus mais sinceros agradecimentos à todos da equipe da Bonus Track, da 30E e da Fleishman Hillard que tive contato pela atenção, educação, carinho e, principalmente, pela oportunidade de relatar os detalhes deste incrível e inesquecível show de Roger Waters em São Paulo/SP neste sábado 11 de novembro de 2023.

Texto: Fernando R. R. Júnior
Fotos: Marcos Hermes e Fernando R. R. Júnior
Agradecimentos para a equipe Bonus Track, da 30E e da Fleishman Hillard
pela oportunidade, atenção e credenciamento
Novembro/2023

Set 1:
1 - Comfortably Numb
2 - The Happiest Days Of Our Lives
3 - Another Brick In The Wall, Part 2
4 - Another Brick  n The Wall, Part 3
5 - The Powers That Be
6 - The Bravery Of Being Out Of Range
7 - The Bar
8 - Have a Cigar
9 - Wish You Were Here
10 - Shine On You Crazy Diamond (Parts VI-IX)
11 - Sheep

Set 2:
12 - In The Flesh
13 - Run Like Hell
14 - Déjà Vu
15 - Déjà Vu (Reprise)
16 - Is This The Life We Really Want?
17 - Money
18 - Us and Them
19 - Any Colour You Like
20 - Brain Damage
21 - Eclipse

Bis
22 - Two Suns In The Sunset
23 - The Bar (Reprise)
24 - Outside The Wall

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